
Era para ser só mais uma festa junina escolar. Daquelas com pipoca no copinho de papel, vestido remendado, bandeirinhas no teto e crianças dançando sem saber direito a coreografia. Uma festa simples, comunitária, com cheiro de infância e memória. Mas em Ribeirão Branco, a festa da Creche-Escola Maria Luzia Teixeira Rodrigues nos faz pensar: de quem, afinal, é essa comemoração? Quem está dentro — e quem está sendo deixado de fora?
Segundo mensagens enviadas às famílias, a direção da escola optou por um modelo de “Miss e Mister” eleito com base na venda de rifas. O(a) vencedor(a) será aquela criança cuja família “encontrar meios” para vender mais bilhetes. A iniciativa, justificada como “inovadora” e “sugerida por algumas famílias”, foi submetida a um questionário online, com perguntas como: “Você considera justo que todos os participantes recebam apenas um saquinho de doces?”
Com todo o respeito às boas intenções e ao esforço de mobilização da equipe escolar, precisamos falar sobre o que há de profundamente equivocado nesse modelo. A ideia de premiar quem mais vende rifas, em um ambiente escolar, é uma distorção dos valores que deveríamos cultivar na educação pública infantil: inclusão, igualdade, respeito às diferenças e celebração coletiva — e não competição baseada em capital financeiro e rede social familiar.
Vamos ser diretos: quem tem mais poder aquisitivo vende mais. Ponto. Quem tem mais contatos, familiares empregados, amigos em lojas ou no comércio, imprime bilhetes coloridos, oferece brindes, cria QR code. E quem não tem? Fica de fora. Fica invisível.
Pior: a ausência de transporte escolar no dia da festa, comunicada com naturalidade pela escola, acentua ainda mais a exclusão. Quem tem carro, vai. Quem trabalha em horário fixo ou não pode se ausentar, não vai. Quem depende do ônibus da prefeitura — que todos os dias leva e traz essas crianças — ficará sem participar. De novo: festa para quem pode.
Isso não é só um erro de gestão. É uma ferida ética. A escola pública deve ser o espaço da equidade, não da simulação de meritocracia. Deve acolher quem tem menos, não recompensar quem tem mais. A criança que não teve como vender os bilhetes — ou cujos pais sequer entenderam o sistema — não é menos digna de faixa, de festa, de orgulho. Pelo contrário: é por ela que a escola existe.
E aqui não se trata de fazer tempestade em caneca de quentão. Trata-se de lembrar que educação infantil não é vitrine para disputa estética ou financeira. Não é showroom de premiações. É o território onde plantamos os valores que um dia queremos colher. E o que estamos ensinando às nossas crianças quando a “vitória” na escola vem da capacidade dos pais de arrecadar?
Essa carta é um apelo. Um alerta. Um convite à reflexão.
À equipe da Creche Maria Luzia, à Secretaria Municipal de Educação, às famílias envolvidas: é possível — e urgente — repensar esse modelo. Criar um espaço de festa, de fato. Onde todos possam estar. Onde o valor da criança não seja medido em bilhetes vendidos. Onde não haja necessidade de pergunta como “você acha justo todos receberem só um mimo?”, porque tudo ali já seria partilhado com justiça.
Festas escolares são celebrações da comunidade. Não se faz comunidade com exclusão.
E a criança — todas elas — deve sair da escola com a certeza de que vale a pena ser quem ela é, com ou sem faixa no peito, com ou sem pai que possa comprar bilhetes.
Porque a infância é o que temos de mais sagrado. E a escola pública, o que temos de mais promissor.
Ribeirão Branco merece mais.